20/04/2019

Vítima, investigador e juiz em um só: inquérito de Toffoli deixa fraturas na relação do STF com os outros poderes Vítima, investigador e juiz em um só: inquérito de Toffoli deixa fraturas na relação do STF com os outros poderes





Membros Executivo, Legislativo e até do Ministério Público temem se tornar alvos da investigação aberta pelo Supremo; segundo especialistas ouvidos, o Supremo pode sofrer desgaste e retaliação de outros poderes.

Os últimos desdobramentos do inquérito aberto pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), José Dias Toffoli, para investigar suspeitas de ameaças, ofensas e "fake news" contra ministros da Corte conseguiram um feito inesperado: uniram o presidente da República, parlamentares, militares, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o Ministério Público em críticas ao tribunal.

Indicado por Toffoli para conduzir as investigações, o ministro Alexandre de Moraes chegou a determinar a retirada do ar de uma reportagem publicada pelo site "O Antagonista" e pela revista digital Cruzoé que mencionava o presidente do STF.

Dias depois, Moraes, criticado também pelos colegas Marco Aurélio Mello e Celso de Mello, revogou a própria decisão. Ele, no entanto, refutou a tese de censura à imprensa.

A reportagem suprimida, publicada na quinta-feira (11), cita um documento no qual Marcelo Odebrecht, empreiteiro e delator da Lava Jato, explica que o apelido "amigo do amigo do meu pai" em e-mails de executivos da empresa faz referência a Toffoli.

Apesar do recuo de Toffoli e Moraes, constitucionalistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a imagem do Supremo já sofreu desgastes e que a própria continuidade do inquérito aberto pelo presidente da Corte expõe o tribunal a confrontos com outros poderes e com o Ministério Público.

Exclusão do Ministério Público

O principal problema ligado ao controverso inquérito aberto por Toffoli é a exclusão completa do Ministério Público das investigações. Na prática, o Supremo é a "vítima, o investigador e o juiz" no caso, já que vai decidir sobre fake news, ataques e ofensas a ele próprio.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tentou impedir a continuidade dessa investigação, iniciada no dia 14 de março, por considerá-la "ilegal". Ela encaminhou ao STF um documento informando que arquivou o inquérito porque só o Ministério Público poderia abrir e conduzir uma investigação criminal.

A decisão de Dodge, porém, foi descartada por Alexandre de Moraes. Para ele, só o STF tem prerrogativa para arquivar a investigação, já que ela é conduzida pelo próprio tribunal, não por promotores.

O ministro afirmou também que o inquérito foi aberto com base no regimento interno da Corte, sendo "de ofício" – por conta própria – e sem participação do Ministério Público.

Temor de se tonar alvo de investigação

Segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a abrangência do inquérito aberto por Toffoli e a exclusão do Ministério Público das investigações levaram membros do Executivo, Legislativo e procuradores a temer se tornar alvo das investigações.

A medida irritou militares que ocupam cargos no governo Bolsonaro e que temem medidas contra outros membros da corporação. O ex-comandante do Exército e atual assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Eduardo Villas Bôas, se disse "preocupado" com a condução do inquérito de Toffoli.

Membros do Ministério Público também manifestaram temor de perseguição. Na terça, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) entrou com um habeas corpus preventivo no STF tentando garantir aos membros do Ministério Público um salvo-conduto para que não sejam convocados a depor no inquérito.

"Quem julga, ou seja, o órgão que dá a decisão final, não pode ser o mesmo que investiga, sob pena de se abraçar o sistema inquisitorial", argumentou a ANPR.

O que motivou o presidente do Supremo a abrir esse inquérito?

De fato, ministros do tribunal vêm sofrendo ataques e ameaças, inclusive de morte, principalmente nas redes sociais. Mas por que Toffoli não pediu à PGR e à Polícia Federal que fizessem as investigações?

Redação com R-7