03/05/2020 Como diz na letra de Cabelo no Pente, Alceu Valença andou pisando pelas ruas do passado. Mas sem sair de casa. O cantor e compositor de 73 anos está resguardado em sua residência no Rio de Janeiro e passa a quarentena tocando violão, lembrando-se de músicas que estimulam recordações de lugares onde ele esteve. “Fico o tempo todo viajando nessas histórias”, conta Alceu. Hoje, às 18h, ele faz uma “live” por meio de seu canal no YouTube em apoio a uma ação para distribuir recursos a profissionais da música que não estão trabalhando por causa da quarentena. Nesta entrevista, Alceu fala sobre o atual momento e explica por que sua obra atravessa gerações. Trecho da sua entrevista à Agência Estado: Como tem sido sua quarentena? Desde o início da quarentena estou dentro de casa. Comecei a tocar violão. Quando morei em Paris, no fim dos anos 1970, não tinha o que fazer e ficava tocando violão. Agora, o dia todinho sem ter o que fazer, fico tocando coisas do meu repertório e algumas coisas de Luiz Gonzaga. Fico me lembrando de São Bento do Una, onde nasci. Aí me lembro de Olinda e começo a cantar coisas de Olinda. Depois me lembro de São Paulo, de músicas que fiz na cidade (canta trechos de Dia de Cão e Na Primeira Manhã). Aí canto música que fiz em Minas Gerais, Solidão, e uma música que eu fiz em Nova York, Tesoura do Desejo. Fico o tempo o todo viajando nessas histórias. O que você está preparando para a “live”? Paulo Rafael (guitarrista) participa tocando cinco músicas comigo. A “live” é livre e vou fazendo as coisas. Mas o tempo todo eu penso em roteiro, conexões que eu vejo. Quando eu estou cantando uma música que fala de cabelo, como Girassol, eu me lembro de Cabelo no Pente. Quando eu canto Pau De Arara, do Luiz Gonzaga, me lembro de São Bento do Una. Se eu me lembrar de lá, vou cantar martelo agalopado (recita trecho de Agalopado). Tudo na minha cabeça é o HD da memória, projetando um futuro melhor em que a humanidade destrua o coronavírus. Como é sua relação com a internet e a tecnologia? A internet é uma maravilha. No confinamento, se não tivesse WhatsApp, as pessoas ficariam loucas dentro de casa. Estou me comunicando com a família e amigos do mundo todo. Mas tenho alguns cuidados. Não faço parte de grupos e isso pra mim é muito bom porque gosto de ser livre pensador. Parece-me que a questão do grupo na internet faz com que o pensamento vire, quase sempre, um pensamento de grupo. Também vejo filmes, mas prefiro a tela grande. Qual é a situação dos cantores e compositores neste momento em que não há shows? Está difícil para a turma da cultura e da música. Eu vejo a situação de quem trabalha como roadie e técnico de som. Está difícil para essa turma. O povo ainda não consegue entender o que é economia criativa. Vi uma reportagem dizendo que o São João da Bahia tinha acabado e que movimentava R$ 1 bilhão. As pessoas, às vezes, ficam estigmatizando esse tipo de evento. Qual sua avaliação do Brasil neste momento? Estamos passando por essa pandemia e eu faço tudo ao contrário do que o presidente manda. Quando ele fala pra ir para a rua, eu não, eu fico dentro de casa. É gripezinha? Não, a gripe é forte. Tem muita gente morrendo. Redação com AE |